sexta-feira, 18 de março de 2011

Como se cria um olho

Entre tantos milagres registrados na Bíblia, gosto muito da cura do cego de nascença (João, capítulo 9), porque demonstra a graça de Jesus, ao conceder uma bênção a quem não havia pedido nada. Fica evidente que não há um padrão nas curas que Jesus fazia, mas era sempre algo diferente, livre, espontâneo. Foi algo inusitado, que ninguém tinha visto antes - Cristo fez em favor do cego aquilo que nunca se fizera em favor de pessoa alguma. E também me chamou a atenção o que ocorreu depois do milagre com o homem que era cego. C. H. Spurgeon tem algumas pregações sobre o assunto, que estão no livro “Os Milagres de Jesus – volume 2”. Tentei fazer um resumo dos pontos que considerei mais importantes.


Jesus sempre estava em movimento, andando para lá e para cá, ao encontro dos necessitados. E viu um homem, não seus pecados, suas falhas. Mas viu alguém feito à imagem e semelhança de Deus, com suas lágrimas, conflitos, carências de alma. Viu um homem defeituoso, cego, que nunca teve a oportunidade de ver a beleza da criação. Os olhos dele não funcionavam. Era mendigo. Precisava não só de dinheiro, mas de amor, perdão, compreensão, misericórdia.

Os discípulos consideravam esse cego de nascença um grande enigma, e começaram, como fazem os filósofos, a sugerir teorias a respeito de como seria consistente com a justiça divina que um homem nascesse cego.

Os teólogos judeus diziam que quando alguém nascia cego era em função do pecado dos pais ou dele mesmo. Mas nosso Deus é bom, não é vingativo, mal, mas misericordioso, justo. Jesus respondeu à pergunta, pois não há nenhuma pergunta que ele despreze quando há sinceridade, desejo de conhecer.

Jesus nos mostra que aquela situação de enfermidade, mediante a bondade de Deus, era uma plataforma para demonstração do seu amor. Ele tinha uma necessidade de trabalhar e assumiu sua parte nesta obra. Era por amar tanto os filhos dos homens que ansiava por praticar o bem, não se acomodava. A tristeza externa o compelia, tinha compaixão ao ver o sofrimento. Sentia pessoalmente as desgraças da humanidade.

Jesus sabia da limitação do tempo, que ele mesmo tinha um período de vida, durante o qual teria de trabalhar. Depois, já não realizaria mais o tipo de trabalho que estava fazendo. Cristo compara sua vida a um dia, que termina com sua morte.

Ele repete para os discípulos o que já tinha falado aos escribas e fariseus, que é a luz do mundo – “e quem o segue não andará nas trevas, mas terá a luz do mundo”. Não é uma luz deste mundo, mas do mundo; é a luz que vem de Deus, e resplandece, levando os homens a glorificarem ao Pai. “Eu sou a luz do mundo”, é uma verdade, Jesus estava proclamando. A luz não se ouve, a luz se vê, a luz entra pelos olhos e não pelos ouvidos, ou seja , o que Ele fazia impactava as pessoas. A luz só tem função nas trevas. No reino da luz, Jesus é a luz, o Rei.

Ao lado da porta do templo estava sentado um mendigo cego. Estava no caminho por onde Jesus poderia passar. Esse homem não conseguia ver Jesus, mas Jesus podia vê-lo. Havia muitos outros cegos em Israel, mas Jesus viu esse homem com um olhar especial. Ele não pediu nada.

A cura foi pelo meio mais simples: Jesus cuspiu no chão, fez barro da saliva, e aplicou aos olhos do cego. Simples como Deus fez o homem: do pó da terra, soprando nas narinas dele o fôlego da vida. Deus criou, portanto, pode curá-lo de todos os males.

Jesus poderia ter curado esse homem sem usar meios, ou poderia tê-lo curado por outros meios, mas optou por realizar a cura de uma maneira que permanecerá sendo, para todas as eras, um exemplo da graça. Se Jesus tivesse tirado do bolso uma caixa de ouro e dentro dela uma garrafinha de cristal, derramado uma gota em cada um dos olhos, todos teriam dito: Que remédio! Do que é? Fórmula secreta. A atenção teria sido fixada nos meios usados, e a cura teria sido atribuída ao remédio, e não a Deus. Ninguém vai dizer que a “saliva fez a obra” ou “o barro que surtiu efeito”.

Para alguns, cuspir no chão vira até o estômago. Mas o barro feito pela saliva do filho de Deus é mais precioso que qualquer pó. Não havia nenhum poder miraculoso na água. O que havia era uma palavra: “Vai, lava-te!”.

Estas águas onde Jesus manda o cego se levar eram as mesmas que Isaías registra (6:2) e que foram rejeitadas pelo povo de Judá, mostrando aí que não queriam a ajuda de Deus, o desprezaram.

O homem não enxergava, mas escutava. A ordem era muitíssimo específica – o tanque tinha águas que corriam mansamente e era, segundo os estudiosos, pequeno. Era para o homem ir até lá, imediatamente, não seu vizinho ou um amigo. O tanque não viria até ele. As águas não pulariam do leito para lavarem os olhos dele. O cego tinha que se inclinar e lavar-se.

Que coisa maravilhosa Jesus fez em favor desse homem. Tinha sido uma obra de criação. Os olhos do homem não eram olhos, mas Jesus criou neles a vista. Curar um membro é uma coisa, mas criar um olho, ou capacitar aquilo que era mera semelhança de olho a tornar-se um órgão de percepção é algo muito mais grandioso. Aqueles olhos estiveram mortos, e agora o Senhor os ressuscitou dentre os mortos.

O homem estava começando a descobrir quem o curou. Já sabia o nome (devia ter ouvido falar, mas não onde ele estava). E diante da pressão dos fariseus, em vez de recuar, o homem avança em dizer o que pensava sobre Jesus: é profeta. Passou a ser um confessor de Cristo – eles o interrogaram, e ele não ficou envergonhado, nem escondeu suas convicções, mas respondeu prontamente às perguntas. Torna-se também defensor, e muito capaz, porque os fatos que lhe serviam de argumentos deixavam frustrados os seus adversários. Diferentemente dos seus pais, o homem demonstrou-se cheio de coragem, ousadia.

Para os fariseus, a verdade é que Jesus não era de Deus: não guardava o sábado, era pecador, eles diziam que não sabiam de onde Cristo vinha. Quanto ao cego, eles o pré-julgaram, seguiram incrédulos, atribuíram-lhe pecado, fecharam os ouvidos, o injuriaram e o expulsaram da sinagoga. Essa era uma das calamidades mais pavorosas que podia sobrevir a um judeu. Ele passava a ser um inimigo de Deus (servo do diabo).

Enquanto isso, o ex-cego passou da cegueira física para a percepção espiritual. O homem confessou o nome de Jesus (um homem chamado Jesus), afirmou que ele era um profeta (como foram Moisés, Elias, Eliseu) e que era um adorador de Deus. “Se é pecador, eu não sei”, “era cego, agora vejo”.

Os olhos do Senhor sempre estão nos seus escolhidos e ele conhece todas as circunstâncias que lhes acontecem. Cristo tinha feito muito por esse homem para se esquecer dele. Ele procurou o que foi rejeitado. Sem ter recebido um pedido, Jesus abrira os olhos daquele homem; sem ter sido procurado, cuida dele na hora da aflição.

O modo de Jesus consolar o cego, expulso da sinagoga foi fazer-lhe uma pergunta que levaria o homem a perscrutar seu próprio coração, e que sugeriria avanço espiritual: “Você crê no Filho de Deus?”. Essa pergunta precisa ser feita – trata-se de uma pergunta espiritual e vital, que não pode ser deixada de lado. Jesus não o poupa, embora esse homem tivesse sido obediente e tivesse sofrido por amor a Cristo.

Diante da questão, o homem que foi cego pediu socorro a Jesus. Perguntou, animado: “Quem é ele, Senhor, para que eu nele creia?”. Para o ex-cego, bastava descobrir quem era o Filho do homem que a fé seguramente viria. Esse homem não disse: “Senhor, quem sou eu para que eu creia?”. “Já o tens visto, é o que fala contigo”, disse Jesus. “Creio, Senhor; e o adorou”. A resposta do cego foi imediata. O homem curado o adorou! Deve ter dado um grande abraço em Jesus, chorado aos seus pés, olhando bem para o seu Rei, agradecido.

Quando o homem curado ficou sabendo que o Filho de Deus era o mesmíssimo ser divino que lhe abrira os olhos, imediatamente o adorou. Se Jesus não fosse Deus, teria mandado o homem ficar em pé, e teria rasgado suas vestes diante da ideia de aceitar adoração; mas nosso Senhor entendeu o gesto como comprovação de que os olhos do homem estavam bem abertos, e imediatamente disse que ele viera com este propósito – para que os cegos vissem.

O grande dia do juízo ainda não chegou. Deus, na sua infinita longanimidade, continua sendo gracioso e dando aos homens mais prazo para se arrependerem e se reconciliarem com ele. Jesus entrou neste mundo para o juízo, mas não aquele juízo final. Mas nem por isso ele deixa de realizar uma forma de julgamento neste mundo.

Cristo veio para que os cegos vejam. Ele não veio para condenar o mundo, mas “para que o mundo fosse salvo por meio dele” (João 3:17). Este cego sabia que estava cego – nunca teve dúvidas a respeito; desejou sinceramente ser iluminado – ele se entregou à cirurgia de Jesus com o pleno consentimento do seu ser; foi obediente – plenamente submisso; reconheceu que realmente estava vendo – ele ficou tão completamente convencido da sua cegueira que, ao receber a capacidade de ver, ele a reconhece, com tremenda alegria; passou a defender o homem que lhe abriu os olhos – e ele o fez muito bom, usando argumentos que confundiram os escribas e os fariseus; queria saber mais – quando o homem ficou sabendo que o Filho de Deus era o mesmíssimo ser divino que lhe abrira os olhos, imediatamente o adorou, conforme diz o texto.

Devemos fazer como esse cego: nos apresentarmos humildes, sem soberba, orgulho, para não atrapalhar a Cristo – não é a nossa pequenez que atrapalha a Cristo, mas a nossa grandeza; recusar-se a especular – creia na solução de Deus; estar contentes em depender de Deus – os que enxergam um pouco não desejam tomar orientação de terceiros.

Cristo se deleita em curar os totalmente cegos – ele não nos repudia, mas nos acolhe. Ele tira das nossas fraquezas a oportunidade para manifestar as suas próprias obras para a sua própria glória. Assim como esse homem nasceu cego, para que o poder de Deus pudesse ser visto ao conceder-lhe a vista, assim também ele quer cuidar de nós, para que o poder de Deus possa ser visto, e as obras de Deus claramente manifestadas.

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