segunda-feira, 20 de junho de 2011

Nós e a cidade

A nossa relação com a cidade que vivemos é um tema que tem me atraído, principalmente depois de ouvir pensadores cristãos como o indiano Ernest Komanapalli e os brasileiros Ariovaldo Ramos e Jorge Henrique Barro. Este último escreveu um artigo muito interessante na revista Ultimato, edição de maio de 2011. Compilei estas ideias e juntei mais algumas observações minhas, que resultaram no texto a seguir, baseado em Jeremias 29:7: “Busquem a prosperidade da cidade para a qual eu os deportei e orem ao Senhor em favor dela, porque a prosperidade de vocês depende da prosperidade dela”.


O contexto de Jeremias é do desterro, do exílio. O Senhor estava, de fato, disciplinando o povo de Judá, que havia se esquecido dos pactos que celebrara com o Senhor, das Suas leis, e Deus o entregara ao exílio. A cidade que os levaria a esta situação de angústia era Babilônia. E havia, portanto, no coração do povo de Judá, toda uma inclinação para odiar Babilônia, para desprezá-la, e para querer a sua ruína. Então o profeta Jeremias deixa claro que eles iriam mesmo para a Babilônia, o Senhor os estava enviando, e o melhor que eles podiam fazer era orar pela paz, prosperidade daquela cidade. Pois a vida deles doravante estaria ligada à sorte daquela cidade. Se fosse próspera, eles também seriam, se fosse miserável, cheia de problemas, isto os alcançaria. É uma palavra que parece de estímulo, mas para os de Judá, no contexto de juízo, de exílio, é quase um castigo duplo.
Se isto era verdade em relação a uma cidade com a qual o povo de Judá não tinha nenhum relacionamento, a não ser o fato de ser derrotado pela cidade e oprimido por ela, imagine o quão verdadeiro é isso para nós que estamos numa cidade onde nós mesmos estamos construindo, trabalhando, vivendo, desenvolvendo e tornando-a realidade.

Portanto, qualquer cidadão tem um compromisso com sua cidade, por essa razão óbvia. Se este cidadão é filho de Deus, o compromisso dele é ainda maior, porque ele detém em suas mãos uma outra arma, para além do seu esforço, cooperação, trabalho, talento, que é a comunhão com Deus, que é a intercessão, que é a oração. O apóstolo Paulo Ensina Timóteo a interceder “em favor dos reis e de todos que se acham investidos de autoridade” (1 Timóteo 2:1 e 2).
A cidade surge na Bíblia com um certo estigma. Quem inventou a cidade? Deus criou os céus e a terra. E nessa criação magnífica semeou um jardim, um lugar especial para o homem habitar. Era grande, com quatro rios que o regavam, com todas as árvores frutíferas, animais. Devido à queda do homem, ele teve que abandonar. Ao sair, não havia flores, comida, tinha que trabalhar duro. Havia espinhos.

Mas Deus, mesmo assim, abençoou a Adão e Eva, os vestiu. Seu primogênito nasceu, o primeiro ser humano a nascer nesta terra. O filho de Caim foi Enoque e este edificou uma cidade e o nome era Enoque (Gênesis 4:17). Caim foi o primeiro assassino da terra. Ele construiu, e não Deus. Isso fez com que a cidade de Enoque nascesse com o estigma da rebeldia, da infidelidade, como algo que se contrapõe a Deus.
A partir daí, como conseqüência da queda do homem, a maldade se multiplica. Nínive, por exemplo, foi uma das cidades mais antigas da Mesopotâmia, à margem do Rio Tigre. “Ninrode, o primeiro homem poderoso na terra” (Gn 10.8), parte para a Assíria e funda a cidade. As cidades conquistadas e construídas por Ninrode tornaram-se centros de poder militar e foram conhecidas como sanguinárias. Esse homem, cujo nome significa rebelde, tinha um espírito de caçador e matador. No tempo de Jonas, Nínive já possuía 120 mil habitantes.

De acordo com o profeta Sofonias, Nínive era uma cidade orgulhosa: “Essa é a cidade que exultava, vivendo despreocupada, e dizia para si mesma: ‘Eu, e mais ninguém!” (Sofonias 2.15). Nínive era um grande centro cultural e religioso, especialmente em função do templo construído para uma deusa, que diziam ser da fertilidade, do amor e da guerra. Além de uma grande cidade, da idolatria, Nínive era cheia de maldade, violenta e constituída de cidadãos que não distinguiam o certo do errado.É para esse contexto e cidade que Deus diz: “Vá depressa à grande cidade de Nínive e pregue contra ela”


O Antigo Testamento revela outros motivos condenatórios de uma cidade, como:
- opressão: o tratamento injusto do pobre pelo rico, do fraco pelo forte, dos governantes que oprimem seus cidadãos; o suborno, a extorsão dos opressores dominando as cidades.
- derramamento de sangue inocente: gente que morre por causa da insanidade no trânsito, jovens que são exterminados como queima de arquivo; assaltos, morte por balas perdidas. Duas vezes Ezequiel fala: “Ai da cidade sanguinária” (24.6, 9).

- imoralidade: Sodoma e Gomorra ficaram conhecidas pela perversão sexual, assim como outras cidades que se tornaram centros de promiscuidade (Corinto). “Disse mais o Senhor: Com efeito, o clamor de Sodoma e Gomorra tem-se multiplicado e o seu pecado tem se agravado muito” (Gênesis 18:20).
Deus decide recomeçar a raça humana através de Noé e sua família, “porque a maldade do homem se havia multiplicado na terra e era continuamente mau todo desígnio do seu coração” (Gênesis 6:5). Após o dilúvio, os filhos de Noé se propõem a criar uma cidade uma torre que chegasse ao céu, para que tornassem célebre o nome deles e não fossem espalhados por toda a terra (Gênesis 11:4).

Mas a figura da Nova Jerusalém, descrita em Apocalipse 21, aponta para uma possibilidade, que é a conversão da cidade. Significa que a cidade deixa de ser anti-Deus e para a ser para Deus. Porque a conversão não é nada mais nada menos que o resultado da conversão dos homens. E a Nova Jerusalém é a cidade dos homens e mulheres, os seres humanos convertidos, que romperam com a rebelião, e voltaram-se para o todo-poderoso. A nova Jerusalém é a cidade que podemos desejar, cujo construtor é Deus: “Vi também a cidade santa, a nova Jerusalém, que descia do céu, da parte de Deus, ataviada como noiva adornada para o seu esposo” (Apocalipse 21:2).
O autor de Hebreus fala que “não temos aqui cidade permanente, mas buscamos a que há de vir” (Hebreus 13:14). E também que, pela fé, Abraão peregrinou na terra da promessa porque aguardaria a cidade que tem fundamentos, da qual Deus é o arquiteto e o edificados (Hebreus 11:10). Deus preparou esta cidade, a Jerusalém celestial (Hebreus 11:16 e 12:22).

Este é o nosso grande desafio como cidadãos. É o sermos agentes de transformação, de conversão da cidade. E para isso contamos com algumas possibilidades:
1 - ORAÇÃO

Temos que aprender a orar pela cidade. Para nós é muito fácil reclamar. Mas difícil é orar pela cidade. A primeira e mais poderosa das armas que nós temos. Quando a Bíblia diz que estamos lutando contra principados e potestados, que são seres malignos dominadores deste mundo tenebroso, significa que estes seres estão por detrás de um sistema e alimentando o sistema. Não podemos ser ingênuos em relação a isso. Há agentes malignos, e então a intercessão é essencial para deter o avanço da maldade, para chamar os homens à consciência. Isso se enfrenta isso? Isso se enfrenta com oração. Nem com medo, pavor, reclamação, murmuração, isto se enfrenta como sacerdote. E sacerdote enfrenta suas batalhas de joelhos.

Orar pela prosperidade da cidade não é somente pela riqueza econômica, mas moral, existencial e espiritual: “Da prosperidade da cidade dependerá a vossa”.
2 – TESTEMUNHO E FORMA DE VIVER

O Senhor disse a Abraão que se houvesse 10 justos em Sodoma, pouparia a cidade. Foi este o pedido dele, que se, porventura, vivessem na cidade 10 justos, o Senhor pouparia a cidade por amor de 10 justos? (Gênesis 18:32). Se encontrasse, ele pouparia. Abraão começa falando em 50 e termina com 10.

O que está por detrás da anuência de Deus a Abraão? Está por detrás o fato de que Deus está dizendo que se houver 10 justos, dá para retomar a cidade. Se houver este número de justos, é possível reinventar a cidade. Salvar a cidade. Restaurar a cidade. Curar a cidade.
É nossa segunda arma. Nós temos de ser os justos da cidade. Temos de ser os justos na cidade. O que isto significa? Significa que não vamos negociar como todo mundo negocia na cidade. Significa que não vamos trabalhar baseado no equívoco, no erro, na injustiça. Nós somos os justos da cidade. Vamos praticar a justiça. Vamos andar em justiça. Nós não vamos ser aliados de toda uma sorte de corrupção, de imoralidade, de absurdos, de opressão, de desrespeito para com o ser humano, desrespeito para com o trabalhador, com o despossuído, com a mulher, com a criança, com o idoso. Nós não vamos participar disso.

Muito pelo contrário. Vamos andar na contramão disso. Nós vamos nos tornar padrões de lisura, de justiça, de equidade, de honestidade, para sermos os justos da cidade. Para que através de nós Deus possa reinventar a cidade. E a cidade se torne então uma cidade para Deus. Se não formos assim, não há como reinventar a cidade, mudar a cidade de direção. Não dá para convertê-la em cidade anti-Deus para cidade para Deus.
Para isso não basta termos boa vontade. Mas aprendermos a criar comunidade entre nós, pensar coletivamente, como agentes de transformação da cidade. Nós, cristãos, precisamos desenvolver este senso comunitário para além dos nossos encontros devocionais. Porque senão corremos o risco de cair na armadilha dos espíritos malignos. E a armadilha dos espíritos malignos não é fazer-nos desprezar Deus, mas queremos Deus só para nós.

3 – ENVOLVIMENTO ATIVO
A terceira arma é a do envolvimento ativo, de realmente arregaçarmos as mangas e fazermos alguma coisa. Temos que nos sentir responsáveis pelo bem da cidade, pelos problemas que envolvem as crianças, as mulheres, mulheres, os idosos, os despossuídos, os viciados, os desesperados. Vamos nos envolver com os pobres, com os marginalizados, com os que estão em angústia pessoal, vamos nos envolver com os que estão na classe D e E, mas também nos envolver com os que estão nas classes A,B e C também. Quem vai dizer às pessoas que Deus as ama? Para livrá-las da prisão, da extorsão, da pobreza, da falta de esperança? Eu fui salvo para salvar a outros. Existo para salvar outros, trazer esperança, vida eterna.

Voltando à história de Jonas, depois de suas dramáticas experiências de recusa, ele entrou na cidade e pregou contra ela. Eram necessários três dias para percorrê-la, mas ele vira recordista e faz o trajeto em apenas um, numa possível demonstração de insatisfação e desinteresse. O milagre acontece e toda a cidade se arrepende. É nesse momento que ele pede a Deus para tirar a sua vida. O que deveria ser motivo de alegria tornou-se motivo de desgosto e desilusão. Assim, ele sentou-se num lugar a leste da cidade e esperou para ver o que aconteceria com a cidade. E Deus lhe falou: “Não deveria eu ter pena dessa grande cidade?”
Mesmo não concordando com Deus, Jonas nos fez o favor de revelar as atitudes necessárias para proclamar a esperança para as cidades condenadas: misericórdia, compaixão, paciência, amor e a oferta de nova chance.

Sim, Deus detesta os pecados da maldade e a violência da cidade. Entretanto, a boa notícia é que ele ama em vez de abandonar a cidade. A proclamação é contra o pecado e sempre a favor da vida.
Quando Deus penetra na cidade, vai transformá-la. Se dizemos que amamos a Deus, amamos as pessoas. Podemos compartilhar este amor com aqueles de quem o amor foi roubado.

Antes da Nova Jerusalém, em cada cidade do mundo, em cada nação, temos que atuar no nome de Jesus, como sal e luz que somos. Não devemos fugir das cidades por causa dos pobres, pois Jesus veio para eles. Deus está interessado nas cidades, nas prostitutas, ladrões, crianças, drogados que vivem nestes lugares.
A cidade não foi iniciada por Deus, mas Jesus vai transformá-las, através de nós. A cidade dos homens será destruída, mas a de Deus se estabelecerá!

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