quarta-feira, 15 de junho de 2011

Um registro histórico

Encontrei minhas anotações de uma mensagem de janeiro de 2006, poucos dias antes da mudança com a família para Portugal, onde moramos por três anos e colaboramos na expansão do Reino de Deus naquele país. Considero um documento histórico e quero deixá-lo registrado aqui:

“Depois de 19 anos nesta igreja, sei que uma das minhas tarefas mais doídas será ficar 3 anos longe de vocês – eu, Cássia e as crianças. Nestes momentos que antecedem a viagem, faltam 13 dias, há muitas perguntas que surgem:
- o que será que se passa na cabeça deles agora, qual o sentimento?
- será que a vale a pena a igreja enviá-los e eles fazerem um sacrifício danado para ir?
- por que eles e não um outro casal?
- como vai ser o trabalho lá?


Tenho lido muito sobre missões ultimamente – biografias, história da igreja primitiva, erros e acertos. Conversado com também missionários que já foram pra bem longe e estão dispostos a ensinar. Tenho também revisto mensagens trazidas aqui neste púlpito.

Fica sempre claro que o propósito de Deus para a Igreja é evangelizar o mundo. A Igreja é o instrumento de Deus para a realização da obra missionária, responsabilizando-se pelo processo inteiro deste avanço para anunciar o amor de Deus. Hoje, a visão de missões precisa ser a Igreja preparando missionários, enviando-os e sustentando-os.

A mensagem do Evangelho tem de ser espalhada e assim há salvação no mundo. Não podemos perder esta visão do propósito eterno de Deus – uma família com muitos filhos, semelhantes a Jesus. Servimos a Cristo fazendo missões. A tarefa principal da Igreja é missões. É a vida da igreja, não é um departamento e nem uma comissão.

Mas durante muito tempo, eu fui um crítico de missões, até da liderança que tinha esta compreensão da obra. Para mim, era um dinheiro mal empregado, com tanta coisa a fazer aqui. Falei mal do Edy, por vê-lo estudando inglês em Londres. Eu achava que essa preparação não era missões. Agora vejo a utilidade. Perdão!

Graças a Deus por minha esposa, que conheci num acampamento – sempre paciente comigo, embora muito firme nas suas convicções bíblicas. Às vezes me convencendo através da discordância e outras pelo silêncio. Coração na obra, disposta, submissa, compreensiva, minha ajudadora. Quando eu fui conhecer o campo missionário onde Edy e Lliam estavam na Inglaterra, Josa pediu para levar lista de contribuintes – meu nome não estava, eu não era, e sim da Cássia, minha namorada por 8 anos.

Edy é meu discipulador, desde minha conversão quando jogador de futebol. Me acompanha, corrige. O discipulado é um preparo para missões. Nunca tinha visto o Edy bravo, mas vi esta semana... Nossas famílias almoçaram juntas ontem; Josué – o grande amigo do Guilherme - dormiu em casa.

Não é fácil deixar o “ninho”, a amada igreja. Aqui cantamos juntos, louvamos a Deus, ouvimos tremendas mensagens, vemos os milagres que Deus está operando, comemos juntos, acampamentos, encontros, vigílias, reuniões de líderes. Quando achamos que a benção é só para nós, perdemos a visão missionária.

É uma parto também passar as coisas que estamos envolvidos aqui: atividades do escritório, grupos, congregações, administração da escolinha. Tudo para cumprir a ordem de evangelizar o mundo: “Idei por todo o mundo e pregai o evangelho a toda criatura” (Marcos 16:15); “Ide...fazei discípulos de todas as nações”(Mateus 28:19).

É um privilégio saber que Deus tem um caráter missionário e nos inclui nos seus planos. Entender que o propósito da Sua aliança eterna é maior do que minha salvação pessoal, e isto me coloca ao Seu serviço, no Seu plano para o mundo todo, e eu quero obedecê-lo.

Somos povo de Deus com um compromisso com a redenção das nações, participando da missão de Deus para o mundo. Ele tem colocado no meu coração um amor, uma compaixão pelos portugueses. Sei que é algo sobrenatural, pois eu sempre tive reservas aos nossos exploradores. Não quis conhecer Portugal quando tive oportunidade. Sei que isto é fruto da ação, da capacitação do Espírito Santo. O Espírito Santo é o chefe de missões, a fonte que impulsiona e sustenta. Ele separa, prepara, capacita e impulsiona a igreja a enviar obreiros – e aqui estamos nós.

Até meus filhos não veem a hora de chegar a Portugal. O Natan não entende muito bem o que está acontecendo. O Guilherme conversava: “Pai, quando crescer, quero ser arqueólogo (eu tinha assistido com ele Indiana Jones), biólogo (por causa da experiências na chácara) ou missionário...” Explicamos que ele já era um missionário e iria nos ajudar em Portugal. Ele ficou todo empolgado.

O fato de eu colaborar com uma congregação, da Vila Industrial, desde o seu início, há dois anos, também me fez entender melhor as pessoas, suas necessidades, carências, o apoio ao diácono Wágner “Alemão”. Ao Conselho de Presbíteros meu agradecimento por mais este ensino prático. Entendi na prática que se não somos missionários aqui (não entendemos que fomos enviados e temos uma missão), nunca seremos lá fora.

Tenho dito que o grupo caseiro do Jardim Terra Branca, no qual sou um dos líderes, tem coração missionário. Passaram por lá Marcos e Vera, hoje no Ceará; Ana Cláudia, Tatiane e Juninho, ex-alunos da EMM, sendo que a Ana está também no Ceará e o grupo até hoje ajuda com recursos financeiros; Alessandro e Renata,na Comunidade Esperança, e agora eu e as crianças.

O contato com a Escola de Ministérios e Missões também tem somado neste processo de entender missões. Fui aluno do Curso Vago, dei aulas da apostila Integração e agora estou alojado lá até a viagem. Durante as próximas 2 semanas, vamos dividir a cozinha com duas missionárias.

Para eu chegar a estar “livre” hoje para sair do País, deixando tudo para trás foi um processo de Deus. Primeiro profissionalmente – tinha uma carreira promissora no jornalismo, ao ponto de deixar um emprego na Justiça do Trabalho, funcionário público federal, para ir para a Globo. Chegou uma época de eu ter mais de 3 empregos ao mesmo tempo e fazer ainda outra faculdade, de Direito. Não tinha tempo para Deus, mas Ele nunca se esqueceu de mim. Primeiro me trouxe de novo pra perto dele através da presidência da Casa da Esperança. Agradeço ao Bilão pelo telefonema dele, quando me convidou para dirigir a entidade. Depois, a ordenação. E quando eu perdi o emprego já estava envolvido no ministério, aprendendo a administrar com o pastor Abílio, ao lado de Edy, Bilão, o professor Douglas e o incansável Josa. Ganho hoje muito menos do que se estivesse no jornalismo,na advocacia ou no funcionalismo público, mas o Senhor tem suprido tudo.

Deus foi quebrando a minha independência dele, até que chegou uma sexta-feira, 17 de outubro de 2003, quando havia um caminhão no meu caminho. Um acidente, bacia fraturada, uretra rompida, osso sacro gravemente atingido, feridas profundas pelo corpo, 6 meses na cama (4 sem poder me mexer), infecções urinárias e um período de intensa revelação de Deus. Eu nunca perguntei por que? Mas agora eu entendo a razão. Meu coração foi amolecido, foi trabalhado, e foi criada em mim uma disposição de obedecer. Sei que preciso ainda ser mais maleável, menos teimoso. Reconheço que sou um pouco reservado, mas Deus está trabalhando. O profundo sentimento de ter descoberto o que há de mais importante me impele para servir a Deus, mais e mais. É uma simples resposta ao amor por mim demonstrado.

A igreja em Bauru tem aprendido a fazer missões, assim como uma igreja que eu considero modelo, a de Antioquia. Quando o Evangelho saiu de Jerusalém e como resultado da perseguição se espalhou primeiro  pela Palestina e Samaria, a seguir alcançou Antioquia. Antioquia era um ponto estratégico de uma rota comercial, a capital da província da Síria. Era a terceira cidade do império, com meio milhão de habitantes. Um ponto de encontro de muitas nacionalidades, onde as barreiras entre judeus e gentios eram amenizadas, por causa do comércio. Por isso, não é de se surpreender que o evangelho foi pregado pela primeira vez aos gentios na Antioquia.

Em Atos 11:19-21 diz que a mão do Senhor estava com eles e havia conversões, genuínas. Se o Senhor não estiver à frente, se não houver dependência, não é missão, mas um passeio, uma divagação, uma aventura que vai trazer péssimas conseqüências para a igreja e para o “missionário”. Quando dependemos de Deus, ele cuida de nós, fazendo a vontade dEle.

E esta igreja de Antioquia recebeu o pastor Barnabé. Um homem com coração de acolher, de acolhimento, de integrar, digno de confiança (Atos 11:29-30). José, apelidado de Bar = filho, nabé = paraclisis (raiz de parácleto=Espírito Santo), o encorajador, que vem ao lado para ajudar. Os discípulos viram em Barnabé o retrato do Consolador. Era um levita, adorador, que vendeu uma terra na ilha de Chipre, onde o metro quadrado é muito valorizado – o que planta, dá, também é cheia de pedras preciosas. Homem bom, cheio do Espírito Santo, de fé, que soube reconhecer que não podia fazer tudo sozinho e foi buscar seu amigo e companheiro Saulo para ajudá-lo a pastorear a igreja de Antioquia. Ele estava agora no meio de um avivamento e partiu atrás de Paulo.

Imagino que Paulo chorava em Tarso. Tinha se convertido, foi apresentado aos discípulos por Barnabé, mas mandado de volta à sua cidade. E lá estava Paulo no seu quarto e chega Barnabé. Agradeço meus irmãos por não desistirem de mim, mesmo diante da minha imaturidade, minha falta de fé, minha arrogância.

Dou graças a Deus porque aqui na igreja há muitos Barnabés, que conseguem fazer este trabalho de integração, quando pessoas cheias de talentos, de dons, antes quietinhas nos seus cantos, escondidas, mas são trazidas à vida espiritual intensa de novo. Não podemos desistir nunca das pessoas.

Deus cuida da obra que é dEle, mas cuida também de quem faz a obra e da Sua família. Sei que o Senhor tem dado forças para meu pai e minha mãe e a minha sogra ficarem longe dos netos e de nós também. Mãe e pai, escolhi ir para a chácara porque me emocionaria muito de ficar 2 meses com vocês. Eles sempre se preocuparam comigo na formação espiritual. É que meu pai fez seminário católico, mas na hora da ordenação, minha mãe entrou em cena. Matricularam-me nos curso de catecismo e depois crisma. Fui coroinha. Um padre chegou a dizer:“Você vai ser padre” – quase! Dona Maria, minha sogra, a senhora nos serve com tanto carinho. A sua filha tem muito da senhora e do saudoso seo Wilson, que nos ensinou como enfrentar problemas sem reclamar. Quando eu estava imóvel na cama, me lembrava dele.

Eu tenho uma irmã, linda, Analice, disposta à obra missionária. E cunhados maravilhosos, firmes em Cristo, líderes, exemplos para mim: Márcio, Alexandre, Lia, Edmilson, Angélica, Gustavo e Carol. Deus é bom.

Quem pensava que um dia eu iria sair da minha casa, alugá-la e levar minha família para morar dois meses na chácara? Os mil e cem reais do aluguel não vão para uma poupança, mas nos ajudarão lá em Portugal. Agradeço ao Daniel Moraes por ter aberto mão da taxa de administração em favor de missões, e também aos irmãos corretores da igreja que também tentaram alugar a casa. Meu carro – que eu suei tanto para ter - está hoje num feirão, para que parte do dinheiro seja usado na obra missionária, provavelmente no Ceará.

Decidimos nos colocar à disposição para ir a Portugal ou a qualquer outro lugar que o Presbitério decidisse quando, nas reuniões de Presbitério, ouvia sobre as dificuldades do trabalho em Portugal, os avanços e retrocessos. Colocamos, em nossa oração, algumas indicações de Deus:
-a aprovação do ministério;
-uma vaga num curso de doutorado para a Cássia, que é professora da Unesp – ele já está matriculada e as aulas começaram dia 12 de janeiro, em Braga (a uns 350 km. de Lisboa). Ela irá para lá uma vez por semana ou a cada 15 dias;
-a nossa saúde em dia – semana passada tirei a vesícula, os pontos estão aqui. O urologista, o cardiologista, o gastro, todos me liberaram. Com Cássia e as crianças está tudo bem;
-o aluguel da casa antes da viagem;
-aguardamos a venda do carro e o restante dos vistos (só da Cássia saiu).

Lamento não poder passar mais um tempo de aprendizado intenso ao seu lado, pastor Abílio. Mas levo todas as minhas observações e anotações das viagens que fizemos juntos, a Lençóis Paulista, Jaú, das conversas na minha sala, na sua, das reuniões juntos. Levo o seu exemplo de disposição, de serviço, este espírito empreendedor e sabedoria. Nossa família viaja tranqüila debaixo da sua cobertura espiritual, porque reconhecemos a mão de Deus através da sua autoridade. O senhor tem me incentivado, me ensinado. Fui uma ovelha rebelde e suas posições às vezes duras e suas orações por mim têm sido respondidas. Inclusive para eu não ter morrido naquele acidente.

Pastor Abílio, perdão por não tê-lo convidado para fazer meu casamento. Mas sei que tivemos a sua benção, diretamente.

Nada deve nos deter. Temos uma tarefa a cumprir, mesmo sabendo que haverá dificuldades no trabalho missionário. Mas sempre houve. Aqueles que trouxeram o Evangelho até nós também sofreram – e até morreram. Se eles tivessem desistido, onde estaríamos nós?

As 4 perguntas que eu fiz no começo, se eu ainda não respondi até agora no que disse, gostaria de concluir com elas:
- o que será que se passa na cabeça deles agora, qual o pensamento?Alegria, pelo privilégio de poder servir ao Senhor. E tranqüilidade, por saber que a igreja entende que é responsável pelo envio, pela oração, pelo apoio, pela vida e pelas necessidades do missionário. E que também se responsabiliza pelo seu sustento financeiro e pelo apoio no seu trabalho. Além disso, Jesus garante que está conosco. É uma ligação integral;     
- será que a vale a pena a igreja enviá-los e eles fazerem um sacrifício danado para ir? É o meio que Deus deixou para sermos abençoados e abençoar;
- por que eles e não um outro casal? Porque as autoridades da igreja confiam a nós esta missão. E Deus fala através delas;
- como vai ser o trabalho lá? Não sei, imagino que um evangelismo em pequenos grupos, contatos pessoais, até que sejam formados discípulos.

Hoje, a 13 dias da viagem, eu e minha família, que servimos ao Senhor, podemos dizer: Temos a certeza que devemos ir!”.

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